ARTIGO: A EVOLUÇÃO PARADIGMÁTICA DA ÉTICA - COMO A HISTÓRIA MOLDA O PENSAMENTO MORAL
COMO A HISTÓRIA MOLDA O PENSAMENTO MORAL
INTRODUÇÃO
A justificativa moral serviu de base das forças políticas e da cidadania desde o início das sociedades humanas, levando ao desenvolvimento, constante aperfeiçoamento e aumento da complexidade das relações intersubjetivas. No entanto, o significado da própria conduta moral seguia, em regra, a noção histórica e social das comunidades, adaptando-se a cada novo paradigma de pensamento como forma de dialogar com o recorte de tempo ao qual está incluída.
Dessas divergências de significação moral evoluíram diferentes práticas e costumes que estão enraizados em toda e qualquer conduta. Da mais básica atuação em sociedade a mais complexa situação possível, há um contexto teórico geracional, criado pelas tendências de pensamento que refletem diretamente na forma política, aplicação econômica e evolução científica.
A construção de uma Ciência com objetivos e fundamentos baseados em axiomas rege a ética moderna assim como o regime escravocrata rege a ética aristotélica dos Antigos. Nasce uma linha temporal regida pelas formas de aplicação do Direito, a qual será explorada fazendo observar o contexto histórico de cada período.
DESENVOLVIMENTO
SIGNIFICADO
A palavra "ética" relaciona-se com "ethos", que em grego significa hábito ou costume. A palavra é usada em vários sentidos relacionados, mas que não é distintiva do conceito geral. É a investigação racional, ou uma teoria, sobre os padrões do correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao caráter e à conduta, que uma classe de indivíduos tem o dever de aceitar. Esta classe pode ser a humanidade em geral, mas podemos também considerar que a ética médica, a ética empresarial, entre outras. São corpos de padrões que os profissionais em questão devem aceitar e observar. Este tipo de investigação e a teoria que daí resulta (a ética kantiana e a utilitarista são exemplos amplamente conhecidos) não descrevem o modo como as pessoas pensam ou se comportam; antes prescrevem o modo como as pessoas devem pensar e comportar-se. Por isso se chama "ética normativa": o seu objetivo principal é formular normas válidas de conduta e de avaliação do carácter. Muito do que se chama filosofia moral é ética normativa ou aplicada.
A palavra "moral" e as suas cognatas refere-se ao que é bom ou mau, correto ou incorreto, no carácter ou conduta humana. Mas o bem moral (ou a correção) não é o único tipo de bem; assim, a questão é saber como distinguir entre o moral e o não moral. Esta questão é objeto de discussão.
A palavra latina "moralis", que é a raíz da palavra portuguesa, foi criada por Cícero a partir de "mos" (plural "mores"), que significa costumes, para corresponder ao termo grego "ethos" (costumes). É por isso que em muitos contextos, mas nem sempre, os termos "moral/ético", "moralidade/ética", "filosofia moral/ética" são sinônimos.
A distinção mais comum de ambas é quanto à suas características, sendo a moral autônoma e a ética heterônoma, quanto à possibilidade de afetar o próximo e de onde decorre cada uma. A moral segue a linha subjetiva, pessoal e que importa somente para o sujeito que expressa sua aplicação. A ética, porém, é a aplicação da moral subjetiva em um contexto amplo, intersubjetivo e social, de forma a exercer poderes heteronormativos. Como significado moderno temos ética como uma prática de reflexão compartilhada sobre as práticas, em que a razão busca o melhor argumento no sentido de um aperfeiçoamento progressivo da convivência.
GRÉCIA ANTIGA
Como o berço da filosofia ocidental, fora na Grécia antiga que as reflexões morais tiveram sua primeira relevância na vida pública. Com o advento da intervenção democrática, passou-se a discutir a necessidade de educar a população e servi-la da filosofia moral para o bom convívio em sociedade. Aristóteles trata da moral em três Éticas, de que se falou quando das obras dele. Consoante sua doutrina metafísica fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por consequência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e senso disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a virtude, isto é, consegue a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude, e a esta é necessária a razão.
A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar. As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser completamente resolvido na razão. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente ciência, mas uma ação com ciência. Naturalmente, a ação de um homem não é abstrata, igual para todos e sempre, mas concreto, relativo a cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas paixões predominantes dos vários indivíduos. Noutras palavras, Aristóteles sustenta o primado do conhecimento, do intelecto, da filosofia, sobre a ação, a vontade, a política.
A moral, tendo como paradigma a visão grega de destino, ação política e sendo despida de ideais subjetivos, já que na Natureza, a Razão era o que ditava os valores do homem, e o homem nada fazia senão observá-la, em forma do logos, passava a ser somente um objeto reflexivo pessoal, de forma a adotar valores e pressupostos que partiam de vivências individuais. Notar que o desenvolvimento científico se deu com o empirismo exacerbado, também com Aristóteles, causa também uma ruptura no pensamento moral. Mostrou-se imperativo a prática para a manutenção do comportamento moral.
IDADE MÉDIA
Com a intervenção do cristianismo, houve a ressignificação da moral, de forma a transferir os valores e propostas antes correlacionadas com a natureza, o logos e a racionalidade prática, para um fundamento transcendental e monopolizador: a religião. A expansão da ética cristã se explica pelo fato da extensão da cidadania moral a todos, inclusive aos escravos. A doutrina cristã revolucionou o pensamento ético contemporâneo, introduzindo uma concepção religiosa de bem no pensamento ocidental.
Ainda hoje, há a confusão entre a moral objetiva e a moral religiosa, coisa que há muito fora superada. A polarização trazida com o advento religioso, tanto nos sistemas político, científico e social, tornou as práticas humanas taxativas e possíveis de juízo. Assim, criou-se a dicotomia entre o agir segundo a Lei de Deus e agir segundo uma ética racional intersubjetiva criada conscientemente.
Tais práticas acabaram por erradicar, no sentido literal da palavra, a pluralidade de valores das diferentes culturas e costumes, a fim de centralizar o poderio ideológico social em um único polo: a Igreja.
As ações da igreja católica começaram a representar um entrave para a burguesia comercial surgida nos séculos XV e XVI, pois toda atividade comercial é baseada no lucro, e a condenação à usura, marginalizava a burguesia do ponto de vista da ética cristã católica, impedindo-a de ascender socialmente. Aliados a esses fatores tivemos também a invenção das técnicas de impressão por Johann Gutenberg, a tradução da Bíblia do latim para vários idiomas, fatos que aceleraram a crise da igreja católica. Nesse interim, surgem os movimentos de renovação religiosa, na Alemanha um frade da ordem dos agostinianos, Martinho Lutero, iniciou o movimento contra a igreja conhecido como Reforma Protestante.
Lutero criticava as praticas corruptas do clero da igreja católica. Na Suíça, o francês João Calvino, se destaca no movimento da Reforma Protestante, como reformulador de Genebra, onde instituiu uma república teocrática, uma coletividade, onde as pessoas vivessem apenas para a glória de Deus.
Todavia, a doutrina calvinista se destacaria pela valorização do trabalho e a prosperidade dele advindo, a riqueza passou a ser um sinal de preferência divina. A ética religiosa calvinista revogaria os impedimentos teológicos medievais ao lucro impostos pela igreja católica, conferindo certa credibilidade ao lucro, burguesia comercial e ao capitalismo em formação. O período de surgimento do modo capitalista de produção em substituição ao feudalismo se dá em concomitância com a ascensão do protestantismo na Europa.
As ideias fundamentais do protestantismo estavam fundamentadas no ascetismo religioso. O ascetismo se constitui numa filosofia de vida em que se propunha o rigor no controle dos gastos e a abnegação e renuncia aos deleites mundanos, com o objetivo de alcançar uma maior espiritualidade. De acordo com o economista e sociólogo alemão Max Weber, os valores da ética protestante exerceram grande influência no desenvolvimento do modo capitalista de produção, bem como no acúmulo de riquezas por parte da burguesia.
A ética então passara a significar, em momento oportuno, como uma forma de ascensão social burguesa, uma característica própria da elite econômica e dissociada da sociedade em geral, visto que o domínio dos regimes absolutistas nesse período fora explícito.
IDADE MODERNA
Com o desenvolvimento da ciência e a separação da politica e religião, o mundo passou a ser idealizado como uma visão subjetiva do individuo, em contraste com a visão objetiva da natureza, da antiguidade, e a visão transcendente da religião. Desta forma, os valores se tornaram diversificados, de modo que a moral, pensada como suporte individual de escolhas práticas, também toma formas distintas do domínio religioso anteriormente dominante. Nesse contexto surge o novo paradigma de pensamento, apresentado por Immanuel Kant: o individuo deve ser tido como valioso em si mesmo, e se deve seguir imperativos categóricos, que não dependem de condicionamento.
O imperativo categórico consiste, então, não em uma norma concreta ou conjunto de normas concretas, mas um critério formal de avaliação de máximas. Logo, não está dado a priori quais máximas são ou não morais, de modo que cabe ao sujeito avaliar, a partir da sua consciência moral, quais máximas poderiam ser pensadas como válidas de uma perspectiva universal. Não obstante Kant deixe claro que o imperativo categórico não consiste em um conjunto de normas empíricas ou mesmo uma verdade moral, o imperativo categórico consiste em um princípio formal de avaliação de máximas ou de princípios subjetivos.
Por último, cabe lembrar que para Kant, não é possível formular máximas morais independentemente da mente humana. Ou seja, a consciência moral, ou a consciência do que eu devo fazer, só se apresenta quando o sujeito avalia as suas máximas; em outras palavras, só surge a partir da reflexão no ato de julgar as suas máximas. Para concluir a resposta kantiana, realismo e idealismo estão entrelaçados no sistema crítico-transcendental. Logo, a realidade depende da percepção humana, pois deixara de ser objetiva e observável na natureza, ou metafísica dada por um ser divino.
A ÉTICA CONTEMPORÂNEA
Consolidado o entendimento contemporâneo, a ética passou a ter seu lugar especial na vida em sociedade, como fundamento da vida intersubjetiva. Seu significado no século da modernização econômico-industrial passa agora por uma noção fundamentalista moral e direcionamento profissional, evidente nas especializações profissionais no sistema capitalista moderno. Com o afunilamento das áreas de atuação humanas, dada a abrangência da especificidade das ciências, a ética passou indiscutivelmente a tratar de condutas cada vez mais específicas, se especializando de acordo com a área em que é pensada.
Já não basta ser moralmente hábil, deve-se aplicar a conduta ética obrigatória em toda relação humana. A intersubjetividade é o que reina na modernidade, com os regimes quase que unanimemente democráticos, com a ascensão de novas ideologias, novos ideais e a disposição para novas práticas. A liberdade é a marca do século e isso reflete diretamente nos valores e no seu tratamento prático.
CONCLUSÕES
A sintetização dos pensamentos de uma época criam novos conceitos e dão novos significados à sociedade, em especial aqueles que levam a pensar na prática e nas condutas aplicáveis em função de uma vida melhor. As evoluções da moral e da ética demonstram acompanhar o paradigma histórico e a evolução da técnica científica, como obtenção do pensamento, tendendo a priorizar a técnica e variantes formais.
A secularização tende a criar ondas de teses diversas de modo a haver progresso no pensamento. A moral, dessa forma, não deve estar em seu ápice, que deve ser atingido com a normalidade da aplicação da técnica de conduta de forma inconsciente, por toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução portuguesa de António de Castro Caeiro. Quetzal, 2004;
BENNET, W. J. O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
CARONE, I. A Psicologia tem paradigmas? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
CHAUÍ, Marilena. Filosofia. 1. ed. São Paulo: Ática, 2002
COMTE-SPONVILLE, A., & FERRY, L. La sagesse des modernes. Paris: Lafont, 1998.
HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. Lisboa: Ed. 70, 1985.
KANT, I. Crítica da razão pura Os pensadores Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
KANT, I. Crítica da razão pura Os pensadores Vol. II. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da Moral. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.
Comentários
Postar um comentário